TRANSATRAVESSADOS

12 de setembro de 2013

o durante é enquanto (a coisa dura)

espanca-me depois que esteja preso 
desterra-me depois que esteja perto 
condena-me depois que esteja ileso 
invade-me depois que esteja aberto 

aborta-me antes que seja inválido 
esquece-me antes que seja branco 
esteriliza-me antes que seja libido 
extirpa-me antes que seja cancro 

estupra-me depois que esteja ileso 
engana-me depois que esteja certo 
apaga-me depois que esteja aceso 
abole-me depois que esteja liberto 

caduque-me antes que seja proibido 
restringe-me antes que seja amplo 
intoxica-me antes que seja sentido 
censura-me antes que seja franco 

6 de setembro de 2013

Os Gênios dos Corpos

Cercam-te meus olhos: 
dupla são de violadores
De tua sombra espreito: 
nosso intervalo é casto
Escondem-se escolhos: 
assim são os amadores
Enrosca-te o meu peito: 
é negra rede de arrasto

Acaricia a minha cabeça: 
não tenho bolas de cristal
Nos cabelos há segredos: 
puxa pois não me zango
Falo o que logo endureça: 
lubrificado escuto o canal
Nós chupamos os dedos: 
igual a ossinhos de frango

Direciona minhas cochas: 
corcéis de tua carruagem
Guiam-te os meus braços: 
trilhos para a tua viagem
Beijam-se as bocas roxas: 
completam-se os espaços

Tocam-se nossos genitais: 
virtuoso gemer de oboés
Incorporam-se dois sexos: 
 fazem-se amor possessos
Lâmpadas mágicas os pés: 
que sempre desejam mais. 




29 de agosto de 2013

Bushido

Emboscar a rima, 
lago que transborda, 
é atravessar por cima 
como quem não acorda. 

Para forjar adorno ardente, 
forno, fole, martelo, bigorna. 
Para que lhes degole em duelo 
imerso em estocar pela frente 
o verso do que se entorna... 

Na batalha, enfoca a aorta: 

Aço de espada fria, 
antes esquenta 
para esfriar 
o que 


23 de agosto de 2013

Serpenteologia

Imagine quem criou 
sem rabo esse Adão 
que logo criou Deus. 
Torpe criava serpente 
(em lugar da costela) 
criada a comer maçã. 
Conheceu Eva a bela 
(essa que é sua irmã) 
e só fodem de frente. 
E aí Deus criou Satã 
esse tão nobre diabo 
que criou a religião. 


15 de agosto de 2013

Da posteridade insustentável do resto


É drástico isto que prenso, antibactéria,
e qualquer capricho para inédita glória
eu destaco como se meio mais plástico,
como se cada erro atual já fosse sólido
divisor de dividendos vitais se predigo
quociente cujo úmido resto não será o estrume,
do imenso saco de matéria consumida,
com o lixo que a fétida história sempre esvazia
nesse aterro imortal do pútrido futuro,
ainda o mais antigo e escuro
chorume da vida
é poesia.



8 de agosto de 2013

4

A manhã de primavera 
convida a vir para fora 
sentir uma brisa esguia 
como tanto dizia o avô 
ler em sua hora o calor 
que indeniza da espera 
e faz brotar o que a flor 
quer dizer com o canto 
a crescer em Rimbaud: 
de cordial a carnal, o rouxinol sob o sol. 

A tarde de verão 
cuja perspectiva 
caso não se note 
era bem que arde 
se chora madura 
do que foi botão 
vem braço dado 
e emoldura a via 
com Caillebotte: 
poças rasas de passos por baixo da chuva suja. 


A noite de outono 
a ventar o espetro 
da má companhia 
ou raro abandono 
na falta desse laço 
pó de ser ninguém 
que é música vazia 
a alentar o séquito 
por trás de Cobain: 
alguma corda de aço em seu braço sem dó. 

A madrugada de inverno 
precipita o seu nó futuro 
sobre o cabelo tão níveo 
no abotoar do terno de lã 
que visita ainda acamada 
leva das dores ao buraco 
o sofrível quarto escuro 
mas belo a restar no fim 
dos cafés com Bergman: 
violoncelo tabaco, cobertores carmim. 



25 de julho de 2013

Um ano de diferença


Aos cinco anos de idade, por haver nascido em dezembro, 
meus pais tiveram a opção de me colocar na escola, 
mas preferiram me deixar mais um ano livre. 

Sempre fui o mais velho entre meus pares, 
e, apenas por tal razão, tornei-me hoje um idiota, 
já que cresci julgando que todos os outros é que o eram. 

Tivessem meus pais me matriculado um ano antes, 
teria crescido a julgar que o idiota era eu, 
e talvez pudesse estar enganado. 



18 de julho de 2013

11 de julho de 2013

parabolae

lagos de sentido e alcatrão, 
saídas de falsas fechaduras, 
nódoa, poças de escuridão, 
tipos de arcaicas máquinas, 
cabeças com chifres, hastes, 
celibatos de linhas impuras, 
manchas de vácuo ou nada, 
oposto essencial, contrastes, 
limiares para furar páginas, 
arca anárquica de ateísmos, 
monólito ao todo, em cada, 
as palavras são vis abismos 



4 de julho de 2013

Devoré

Se palavras de veludo molhado
fossem ditas, soaria decadente?
Seu som seria belo o suficiente
ou combinaria melhor o couro cru do brado?

[Adoente.
Enteado.]

Quero vestir bem o palavreado
para cada peça parecer fluente
sem causar impressão decente.
Estaria à flor da pele de veado
se eu usasse algo transparente.
A hora requer traje apropriado
para provar melhor ao bocado
e então indago: estou al dente?

[Enteado.
Adoente.]

E por sinal trajarei algo quente,
sobretudo por já estar atrasado.
O Tempo frio me espera pelado
para sua ceia, e seria o fim não estar presente.


27 de junho de 2013

quatorze questões de múltipla escolha ao redor de um soneto (gabarito)

o que aconteceu antes do começo? 
(  ) sempre parto da ideia da dor 
(  ) nada ainda estava do avesso 
(X) tudo, só até o fim anterior 

houve uma entidade criadora? 
(  ) creio que todo deus é incrível 
(  ) e talvez ainda uma tradutora 
(X) é destrutivamente possível 

de que é feito o ser humano? 
(  ) de um estranho senso de humor 
(  ) do maior óbvio ainda arcano 
(X) da mínima fração do autor 

como foi que chegamos aqui? 
(  ) sentados no sentido conversível 
(  ) ainda não passamos do croqui 
(X) através da linha reta ilegível 

qual a razão final dessa vida? 
(  ) o maior monumento ao ruído 
(  ) a busca por não chegar à saída 
(X) o contínuo se achar perdido 

o amor que sentimos o que é? 
(  ) o conteúdo que cabe às pessoas 
(  ) das carnes de demiurgo o filé 
(X) a má cola entre as coisas boas 

por que precisamos da arte? 
(  ) ela dá graça ao que tens lido 
(  ) para desumanizar-te 
(X) para nosso tempo cumprido 

estamos no mundo sozinhos? 
(  ) das popas não se vêem as proas 
(  ) a solidão tem outros caminhos 
(X) no silêncio nunca nada ecoas 

este universo chegará ao fim? 
(  ) tornará a direção passageira 
(  ) o termo causa efeito ruim 
(X) aonde tal fronte ir a fronteira 

o tempo possui um limite? 
(  ) o da hora de afinal saber 
(  ) como o atraso que se admite 
(X) duro só estando em haver 

qual é o limite da liberdade? 
(  ) é preciso explorá-la inteira 
(  ) basta encontrar sua metade 
(X) a cativante vida prisioneira 

por que é que nós morremos? 
(  ) é a última forma de lazer 
(  ) apenas porque podemos 
(X) para essa experiência viver 

existe uma vida após a morte? 
(  ) voa ao vento a vivaz poeira 
(  ) nada que para lá transporte 
(X) se apôs à última a primeira 

a eternidade pode terminar? 
(  ) quando a questão morrer 
(  ) se dermos chance ao azar 
(X) logo ao conseguir vir a Ser 




20 de junho de 2013

No exame das páginas, ler meus olhos a fundo



Sobre meu nada diuturno, eis as pátinas, assumo:
lendo todo o tempo, fumo muito e pouco durmo,
sem saber se há isto que na vista aja ou se o finjo,
o que raja de vermelho o branco dos meus olhos
tal como tinjo de vermelho o branco das páginas:
ou naturalmente rajada ou artificialmente tingida,
seja em franco espelho, seja sob vernizes e óleos,
não é como leio a vida, mas como faz por ser lida. 



13 de junho de 2013

Consolação 13/06/2013 (lacrimogênea)

Há certos paulistanos 
que, fartos de patrão, 
não esperam milagre 
para gases mundanos, 
e preparados estarão 
se o caos se deflagre: 
são videntes urbanos, 
vêem bem a situação, 
têm olhos de vinagre. 

6 de junho de 2013

Homem que é-homem, como Genésio, depois de morto, rasteja inda diversas léguas. Serpenteara de érrepente rumo Este. Num encaro de chãos, dos calçados de calçada aos barreiros do bairro, que voltariam-lhe para casa tão e calvo.  No final do expedoente de costureiro, estava com avançadidade. Ao se avistar pelo espelho, podia enxergar a calvície, podia enxergar a corcunda, podia enxergar as rugas; podia pelo menos enxergar muito bem. Genésio sabia que lhe haviam linchado sob granizo, motivo pelo qual estava bem ensopado, além de ensopapado. Outra vez através das veredades, outras vê ao dirimigir-se, pensageiro.

Ele não reagira, era contra; detestava na violência o inconteste de toda espontaniedade. Revoltava-se para o não adiantado do depoente, de encontro à rotação do tino, em desencontro com justicências... O estio da chuva veio com o estio do dia, ainda noite. Pensava caminhos na escuridão, numa escuridão daquelas que faziam brotar nele várias cabeças. Foi quandonde chegara, não em casa, mas a meio da caminhagem. Genésio penseou: estou habitado de glandes emoções, o que recinto muito. Desencloacara-se da cidade com hêsito, num êxodo de enxurrada. Quatreandando até acolalí donde se afundeava o só fim. Com seguir conseguiu apenas a duras penas covar uma cava, semeando a fofa terra consigo mesmo.

Deitado de lado, jazia inculto na jazida estéril, ajoelhado no próprio peito, iqual a feto. Raiava o outro, doirado, vindouro. Enquanto o morrido, socorrido do nascente melífluo, conjeturava: morrer por morrer mais valia ver o amanhã do sol. Genésio em tão se leveanta de dentro da própria sombra, na qual ainda se escora, e diante de um zenitão acorcorado na desvertical do fundo mais longelínquo, sabe-se há de mirar uma apariçona de umárvore, desfolhada em não mais que dez folhinhas, à contraluzular no que a via no que havia.

 Ficando de pérpendicular, abre Ivete, o canivete de ofício, que o vício da oficina não fez trabalhar a descoser umbigos a cintura alheia quando da precisão; este chovido na enferrujada véspera, o cortante fio estio do tempo de metal afiado a frio; com ele, grava no lombo do torto, desfolhado pé de planta, o nome chamado de seu memorial: “CÚ” é o que ele escreve, letras primeiras. Riscado com sete traços maiúsculos que revelam o vermelhado de dentro de por sob as aparências do pau em vida, consangrado no umbigo. Pensava alto nesse baixo relevo, câmara sempre escura que se desencarnando subia copiosa com seu mais alto repensar. De vez que na copa desse tino apassarinhou-se um pouso penoso de bem-te-vi que, a sismar, triscava o cimo da pensa-mente de Genésio em desatinada perguntação:

Pensas alto, mas mal-te-escuto, por que razão? Se te quis a ti mesmo um bruto a fugir do lume e a te embrenhar na treva analfabeta, por que agora me sai com esta de escrivinhos? Já que não aprendeu uma qualquer conta ou composição, como chega-me assim logo com tal palavrinha, um palavrão? E sem mais, sem mães nem paz, por que irrompe destarte como que parido de besta, parado na bosta, começado pela saída última? Além do que, tua exceção a ratificar todas as regras, quando mete no teu CU traçado um risco a mais, será por que agudo e inclinado o pinto-sete do próprio risco amais?

Responde Genésio: Ave, ave! É que andei, entre aspasmos, a voltar de longe nos sonos, sempre diverso, picado por sonhaduras como que de fogo, de ar de terra, de maravilhentas experianças. E, palavra, as palavras todas é queíme vem ao acasismo do movimentoda mão, na consciência, endireiteando a sinistrada ignorância que se encabrestava em mim. O tempo foi coisa preta, negrócio doido e doído do ido porvir. Eu parecia que a mim mesmo me paria. Foi quando nesse meio de tudo, para serviço de pensear melhor, na pior das coceiras da interna sarna, cobrão dos dentros, quis me fazer a sentar uma ideia, a modo carvalheiro de matutar sem tadinho. E não havendo realismismo de com que sentar um banco, planto um cá nessa casca, para acolhida em logo sob a minha caspa. Nisso é que me firmo, como quando dormido soletrando sonhos da cor dos acordados e, acordos a cor dados, apalavrei-me comigo de que Genésio não somente este-vê aqui, mas só suamente aqui está.

A minha firma-rubrica, venere-a, pus no pau que não serviu de papel, como o tal que se multiplica desde Babel. Corrijo-me defeita que com sete talhos se perfaz um pau, com quarenta e nove se faz uma canoa, então assim inteiro se parte de todo para longe do mal, e do sal se revolta à sonhação do meu gosto, a docicada uma formigando o rosto, a distar disto que bem seteselado erava nas minhas escuressencias de antanho, a pouca elípse. E quando o grande rio foi minha raciocinura, imenso e sem outra mensura que esse imarginário de assentar o poeirão internado no mim e o nominho de tudo, dessas memórias, é decerto CÚ, pois de esperto sonhei desperto com eu mesmo e minha bunda sentardos arvorando a vida do conhecimento e o conhecimento da vida para um e outro aladinho como você levar apolinizando por aí este, o um recado: que mesmo de pé nonada eu estou sentado no firmamento, que o meu CU é CÚ, tem assento.


30 de maio de 2013

Buster Keaton

cara de pedra 
louco acrobata 
intrépido poeta 
quem te ampara? 
belo saltimbanco 
em preto e branco 
por que te arriscas 
às quedas e faíscas? 
talvez por travessura 
ou porventura mudez 
jamais saias do ângulo 
se não estás sonâmbulo! 
porque tu sempre corres 
veloz para a imensa ação 
e rio e choro e não morres 
nem mesmo contra canhão! 
e nenhuma vez ris ou choras 
de ódio ou de amor no cinema 
diante dos vis ou se te enamoras 
como se já projetasses este poema