Ele acordou muito cedo
naquela promissora manhã de segunda-feira. Um dia especial. Tomou banho e se
barbeou bem, penteou os cabelos e escovou os dentes. Vestiu seu melhor terno, bem combinado com a camisa, o cinto, a gravata e os
sapatos, bem como com as abotoaduras. Tudo impecável, indefectível; estava um homem muitíssimo bem
apresentável, aparentando mesmo muita credibilidade. Devia-se admitir. Fez
seu desjejum com ansiedade e então partiu.
Confiante e otimista, dirigiu-se
para o centro da cidade com um único e bem definido objetivo. Iria atrás de uma
colocação no mercado, digna de seu conhecimento e preparo e, por que não dizer
também, merecimento. Quando viu os homens vestindo placas de anúncio de
empregos conhecidos como cartazistas, parou para olhar; tinha mesmo chegado um pouco adiantado e não
custava nada matar assim seu tempo. Passeou por entre os anúncios considerando
as mais diversas oportunidades de se conseguir vagas; deteve sua atenção nos
detalhes das exigências e dos pré-requisitos, dos salários e dos benefícios
oferecidos, como outros candidatos. As palavras dos anúncios lhe entravam pelos olhos como se mágicas, douradas
em seu reluzir de solução definitiva para algum resquício qualquer de
insegurança que ainda pudesse ter. Quando parou em frente, de repente, daquela
vaga. Era exatamente a melhor opção possível se tudo mais desse errado, e seria aquele o seu
plano B perfeito. O que fez, então, foi sacar do bolso interno do
blazer uma caneta, anotando minuciosamente os dados da vaga e de onde poderia
muito bem e a contento encontrá-la.
Havendo chegado à hora,
encaminhou-se diretamente para a entrada do edifício muito alto onde já estava
se formando uma fila, na qual tomou seu lugar. Após ter aguardado pacientemente
tantos anos ao longo de sua vida, preparando-se para este dia, estudando e incrementando
sua experiência, jamais se surpreenderia com algo desse tipo, nem isso tampouco o faria desistir daquilo que já tinha programado, tendo previamente pesquisado
quais seriam os itens necessários para sua formação a constar devidamente em
seu extenso e bem elaborado currículo. Então, depois de esperar mais de uma
hora, finalmente pode adentrar o edifício. Identificou-se à portaria, passando
pela recepção, onde se informou, reconfirmando as informações que pesquisara
previamente. Ratificou que, para visitar todos os andares, repletos de
empresas agenciadoras de mão de obra, o melhor seria subir de elevador até o último piso e descer tudo de escada. Educadamente, ainda cedeu sua vez para
umas senhoras, antes de entrar no elevador que o faria subir ao topo da
construção. Enquanto subia, repassava mentalmente as palavras que diria quando
fosse amiúde indagado sobre este ou aquele item, uma ou outra passagem de sua
formação; a explicação sobre onde exatamente residia ou mesmo sobre sua pretensão
salarial. Após alguns segundos, chegou ao seu destino. Aproximando-se impavidamente, então,
do balcão da recepcionista, sem quaisquer delongas e com o seu bom sorriso
cortêz, atacou:
- Bom dia! Eu gostaria de
me candidatar a uma vaga de presidente de multinacional.
A mocinha, a princípio,
ficou atônita. Outros candidatos na sala de espera olharam. Logo, a atendente,
disfarçando um sorriso, pediu desculpas, dizendo ter achado que não entendeu
muito bem o que disse o candidato e solicitando que ele não se incomodasse em repetir, por
favor, a que veio. Sem se sentir contrariado, mas sem entender o que ela não
havia entendido de sua boa pronúncia, prova de destreza na dicção e fluência verbal, pôs-se a repetir, em idêntico tom, as mesmas palavras. Antes
que concluísse a frase, estalou um burburinho geral que rebentou em estrepitosa
gargalhada, a qual também sucumbiu a normalmente tão comedida moça da recepção,
numa sessão de risos gritados, uivados e cheios de interjeições zombeteiras que
rompeu de forma inédita o ambiente de seriedade e profissionalismo
predominantes ali ao longo dos anos.
Ele, um pouco como se se
desse conta do absurdo da situação, mas mais pela algazarra em si do que por
seus motivos, se empertigou, retirando de sobre o balcão o seu currículo,
resignadamente e com alguma brusquidão, dizendo ainda um “muito obrigado” um
tanto irônico, para se retirar em seguida, não sem ainda escutar ecoar o
retumbar do riso de toda a audiência sem compostura alguma atrás de si.
Procurou não dar muita vasão aqueles ânimos tão desconcertantes.
Seguiu seu caminho para a
próxima agência, logo em frente, onde as pessoas chegaram a se assustar com
tamanho ruído vindo da outra porta, curiosas por saberem de que se tratava, mas
ainda empedernidos em manter a seriedade adequada a tais ambientes, seus
empregos e vidas futuras dependendo de suas posturas. Mas não demorou para que,
pouco após a entrada do próximo candidato, descobrissem os motivos... ou,
mais precisamente, para que conhecessem pessoalmente o motivo. E da-lhe nova saraivada
de risos. Dessa vez, sequer foi necessário que ele repetisse as palavras. E como
que ampliado pelo suspense após as primeiras gargalhadas na outra sala, o
estampido dessa segunda sessão pode ser ainda maior, com acréscimo de pantominas
e arremedos, mãos nas testas e abdômes, além dos vários pares de pés batendo no piso, que
chegava a tremer.
Na agência do andar de
baixo, já se haviam igualmente dado conta de que algo infinitamente curioso se
passava, e, quando se aproximou o candidato seguinte... riso frouxo e
gargalhadas debochadas encheram o ar com tal ruído que já se podia pensar
estarem todos não apenas a assistir a uma hilária comédia, mas a serem
cruelmente torturados com as mais severas cócegas. Relinchavam, grasnavam, rugiam,
zurravam. Era assustadora a forma como já se entregavam às risadas de forma tão livre
e exagerada, ebriamente; tanto que ele, muito rápido, abandonou o recinto, quase mesmo
como se estivesse fugindo, mas não. Um pouco ensimesmado, mas ainda
imperturbável.
Assim, cada vez com maior
alvoroço, seguiu-se a sua descida de agência em agência, anunciando sua
candidatura à vaga de bobo, ridículo, louco, ou, apenas, como ele bem dizia,
presidente de multinacional. Repetiu-se tudo com mais e mais intensidade a cada
vez, a cada nova entrada num e noutro canto pelo qual passava, de todos arrancando até o último recôndito ar gargalhante que era iminente liberar assim
a plenos pulmões.
A rotina do prédio, a essa
altura, já havia sido completamente perturbada pelo fenômeno. Começava-se a
parar todas as atividades de praxe do cotidiano de trabalho das diversas
empresas e da própria administração predial. O pessoal da recepção e da faxina,
os seguranças, a turma da cozinha e de todas as agências já visitadas se
aglomerava na entrada da próxima, a esperar outro bis de tão divertido e
inusitado espetáculo de bizarrice e grotesco, exponencialmente crescentes.
Pessoas dos prédios vizinhos e mesmo gente que passava na rua, aparentemente sem
nada a ver com a coisa, assomava. Notava-se um fluxo de pessoas muito maior do
que o que comportavam escadas e elevadores, acometendo as vias de acesso e circulação
do edifício, apenas para vê-lo.
Quando chegou ao primeiro
andar, encaminhando-se para a última agência, a expectativa era não apenas a de
que após aquilo o mundo poderia acabar, mas que de fato acabaria, numa
felicidade nunca antes imaginada em tempos tão apocalípticos. Mas o que de fato
aconteceu foi mais surpreendente: não algo ainda muito mais engraçado, nem muito menos;
foi algo diverso, surpreendente e talvez decepcionante, como se poderia pensar. Em verdade, passou-se algo insondável, intrigante e até mesmo incomensurável. Simplesmente ele se
aproximou do balcão da recepção com a mesma expressão e atitude de antes, desta
vez com o último currículo que faltava entregar em mãos, retirou do bolso uma
anotação e, diante dos olhares pasmos e embasbacados da turba, leu-o, para em
seguida dizer:
- Bom dia! Eu gostaria de
me candidatar a uma vaga de office-boy.
Apenas um Nada enorme podia
ser lido nos olhares daqueles que, esperando por outra coisa, estavam ali ouvindo
aquilo que ele quase sobrenaturalmente acabara de dizer. A recepcionista
foi a primeira, após um instante catatônica, a respirar. Ela então piscou,
respirou novamente, mais fundo, e olhou seus papéis no balcão; observando atentamente o
currículo do candidato. Disse que sim, que eles haviam mesmo anunciado, assim e assim, tal vaga,
e que ele poderia normalmente e muito bem se candidatar a ela.
Então, passando por entre
as pessoas que se amontoavam com alguma dificuldade, ele se dirigiu a sala de
espera onde, imperturbável, pôs-se a aguardar ser chamado para a entrevista, ansioso.