I
Coroa
de sonetos dá ao poeta o menino arteiro
Que
cresceu para errar honrando a sua infância
Meia
noite e quarenta pousa fênix no ponteiro
Que
é ocaso e aurora a guiar minha alternância
Vim
doutro mundo por barão assinalado
A
minha liberdade negreira foi quilombola
Fui
um último canibal caeté genocidado
E
ao conhecer a mim mesmo me fiz escola
Dos
deuses eu roubava só o açúcar refinado
E
devoravam meu fígado aquelas outras crianças
Escrevi
o meu nome lá onde morri afogado
Ou
rimei suas imagens com minhas semelhanças
E
cresci desde dentro desse infante malvado
Oferecendo
poesia sob um manto de lembranças
II
Oferecendo
poesia sob um manto de lembranças
Eram
as próprias artes as musas que me inspiravam
Desvendei
a justiça à vista do infiel das balanças
E
fugi à medida que meus passos se desfraldavam
Extraíram
minhas amígdalas mas continuei poeta
Cantando
em versos desde o insulto até a piada
Por
onde pedalei cavalos e cavalguei de bicicleta
Tive
mil inimigos para dar conselhos e porrada
Fui
sempre assim com quem escreveu e não leu
Contra
os bundas moles mostrei meu traseiro
E
assim só cagava andando até que o pau comeu
Crucifiquei
um rato vivo sobre o formigueiro
Fui
o herói que matou todos os vilões menos eu
Reinava
a rima trocada por meu reino inteiro
III
Reinava
a rima trocada por meu reino inteiro
Quando
a brincadeira começou a ter mais graça
Cortaram
minha cabeça para eu ser brasileiro
E
assim minha arte foi ainda ser antena da raça
O
autoconhecimento me pôs calos na mão
Baixos
instintos que escalpelaram um cabaço
Não
por acaso adquiri uma fama de bufão
Pois
de menino me faço descabelado palhaço
Quando
todos ordenam mas ninguém me controla
É
a minha careta indômita sob máscaras mansas
De
língua tão bem afiada que ninguém me amola
Mudei
tanto de tamanho que gostei de mudanças
Até
que um dia me mandaram mudo para a escola
Onde
o tempo fez de bobas as minhas esperanças
IV
Onde
o tempo fez de bobas as minhas esperanças
Acertei
na minha cabeça a distância de uma pedrada
Quando
carnaval e finados tem as mesmas danças
O
tempo me seduz qual a carniça que quer ver pelada
Eu
me sentava torto para escrever certa linha
Que
me garantiria todo direito de voar
E
a cada vez que decolo daquela escrivaninha
Não
há maioridade que me faça voltar
Entrei
em cena comendo o meu papel de autista
E
até as lágrimas que sangrei eram fingidas
Fui
sozinho o grande elenco nunca protagonista
Pois
bebi a tinta azul da caneta dos suicidas
E
me fez triste não morrer precocemente artista
As
minhas febres já eram de liras coloridas
V
As
minhas febres já eram de liras coloridas
Quando
chorei leite sobre lágrimas derramadas
Diagnosticaram
meu nascimento com vidas
Fui
ser iniciado na religião dos contos de fadas
E
nutrido com colheradas de labirintos
Entortei
o meu giz ao aprumar paredes
Dei
cambalhotas com planetas extintos
Boiei
superficial a chorar minhas sedes
Bati
punhetas para apanhar cicatriz
Roubava
gibis e frutas ou beijo de professora
Lúdicos
tantos troca-trocas que fiz
Sempre
com o mote livre e a verve gozadora
Daquilo
que não existe fui aprendiz
Diante
do meu leitor e atrás da minha leitora
VI
Diante
do meu leitor e atrás da minha leitora
Fui
aquele que cresceu para plagiar a si mesmo
Calculo
a mesma temática comprometedora
Sempre
outro e diverso de ti mas nunca a esmo
Com
o fogo de sonhar artifícios mijei colchões
E
ainda moleque preguei chiclete na cruz
Pichava
as igrejas e bibliotecas com palavrões
Com
a estética torpe de um gato andaluz
Escrevi
cartas anônimas que assinava psicopata
Mordi
meninas e maçãs do amor mordidas
E
em desaprender boas maneiras fui autodidata
Naveguei
em tantas páginas desconhecidas
E
saqueando dicionários com poética de pirata
Enterrei
minhas estrofes em ilhas perdidas
VII
Enterrei
minhas estrofes em ilhas perdidas
Cujos
mapas achei que seria ridículo publicar
Curtas
demais as minhas horas cumpridas
Escrevendo
por extenso o meu tempo devagar
Fumei
no peito o que ainda trago escondido
Deu
pé de cachimbar saciado com saci
Para
ser virtuoso era melhor não ter nascido
Lapidei
a minha morte desde que nasci
Minha
vida foi o circo onde a despeito das palhaçadas
As
quais a plateia aplaudia mais acolhedora
Foi
a queda do trapezista o que causou as gargalhadas
Como
por mágica vi a obra prestidigitadora
E
continuando o espetáculo daquelas lonas queimadas
Sonhei inventar uma brincadeira
libertadora
VIII
Sonhei inventar uma brincadeira
libertadora
Tanto
de Deus como do reino desde mundo
Alguma
nova espécie de criação precursora
Cujo
acesso me desce hoje o mais profundo
Já
que vim ao mundo no dia mesmo de Nero
Em
um batismo de fogo tive de ser lavado
E
o meu ardor de berço é outro que incinero
Desde
criança sendo um elemento levado
Comunguei
com o irmão Rimbaud nosso gênio ruim
E
fui marcado tão premeditadamente sem querer
Que
me excomunguei convertido em demônio mirim
Tramei
alguém lógico que só tinha de acontecer
E
desci par assim pois um egoísta eu só fui para mim
Ontológico
por pura púrpura falta do que nascer
IX
Ontológico
por pura púrpura falta do que nascer
Ao
menos fui as crianças e mais eus a criançada
Fiz
de mim o mais estranho para me reconhecer
E
fui mestre em tudo que se pode criar do Nada
Quis
sair justo em um sábado de madrugada quente
Mas
não encontrei sequer uma vagina pelo caminho
Nasci
de cesariana ao fim daquela jornada nascente
Cruzei
o arco do triunfo sendo ainda um bebezinho
Minha
cela foi a fralda e minha casaca o pijama
Escrevi
por cima da minha certidão e embaixo assino
Vim
para ser o próprio poema que me declama
Fui
só mesmo que eu é um outro amigo que imagino
E
o meu primeiro nome tem vidas por anagrama
Nada
me devolveria ao conforto daquele zero uterino
X
Nada
me devolveria ao conforto daquele zero uterino
Cantei
amarga a novidade na pose do enforcado
Maldito
era o nome inédito que dei àquele meu hino
Que
sem saber censura me declamava abortado
Desenvolvida
comigo a parca sombra minha
Um
dia adolesci do tímido mal de súbito amar
E
foi na enciclopédia que tive por madrinha
Que
lendo catarses arranquei os olhos a viajar
Enlouquecia
até aos imaginários dos meus amigos
Pendi
muito para os arredios sem me arrepender
Fui
tão individualista que parecia ter dois umbigos
Era
o herege desde que acordava até o anoitecer
Mais
insuportável do que me pareciam os castigos
Erros
e diabruras me faziam santo ao adormecer
XI
Erros
e diabruras me faziam santo ao adormecer
Com
os pesadelos mais intensos assim que acordava
Tive
de cabular aulas para arranjar tempo de ler
E
ao fugir do tédio da escola ninguém me alcançava
Trago
em mim cicatrizes abismais como brasas
Escarlates
como era o meu longo cabelo lindo
No
sonho fantástico em eu que voava sem asas
O
incrível é que apenas caminhava dormindo
Vesti
armaduras e escafandros entre outras fantasias
Cantando
cheguei a me afundar no amarelo submarino
E
compus bolhas de sabão assoviadas com melodias
Pelo
medo do escuro esfrego os olhos a ver se alucino
Com
braços de ferro a dourar tolices com alquimias
Tímido
duelei com moinhos gigantes desde pequenino
XII
Tímido
duelei com moinhos gigantes desde pequenino
Mas
sob o artista que retrato em um cofre a decrepitude
É
que me disfarçava de normal como manda o figurino
No
fundo jazo qual a flor afogada na fonte da juventude
Sou
o raio que reincide certamente incorrigível
Espelho
que reage e se imita irrefletidamente dual
Acidentalmente
de propósito a criança terrível
Que
nasci ainda renasce por pura imposição fetal
De
capeta me chamavam atendendo Satã
Analfabetizado
desde quando aprendi a escrever
Para
a mais feia é o que escrevi na maçã
E
discordei daquelas regras de ouro por aprender
Caí
de cabecinha mole na realidade chã
Ocorre
que inconsequente eu brinquei de crescer
XIII
Ocorre
que inconsequente eu brinquei de crescer
Desde
o cerne mesmo do que fui sem solução
Para
me tornar o grande problema que vim a ser
Cresci
ao redor do meu pequeníssimo coração
E
é mesmo o fim da picada mas não há atalho
Comparado
a isso ser adulto é outro rito de passagem
Ainda
hoje costumo agir como aquele pirralho
O
que faz de mim um retardado ou espírito selvagem
Reputo
que só me conhecem pela reputação manchada
Mas
não foi por ler livros que fui levado ao desatino
Que
desde sempre tive por escudeira minha quixotada
Plantei
raízes na merda em que daninho eu germino
E
só não renasço se mente a minha cultura empoeirada
Só
para o poeta destarte voltar a ser o arteiro menino
XIV
Só
para o poeta destarte voltar a ser o arteiro menino
Escrevi
para ele estes redemoinhos porque tenho passado
Em
um espelho ele lia em mim o seu próprio destino
Seu
futuro voltou nesta metamorfose que me hei tornado
Apesar
de trocada a identidade quando virei cidadão
Minha
obra continua sua cartilha de erros enciclopédica
E
quando me toca a saudade de usar da má educação
Meus
passos amarram os nós de sua botinha ortopédica
Ele
me fez ver que vida inteligente só há em Marte
Com
ele me nino em canto do seu cancioneiro
Foi
o menino que fui quem me ensinou a fazer arte
Aprendi
com ele que poético é ser bagunceiro
E
quando a inquieta poesia de mim não fizer parte
Coroa
de sonetos dá ao poeta o menino arteiro
XV
Coroa de sonetos dá ao poeta o
menino arteiro
Oferecendo poesia sob um manto de
lembranças
Reinava a rima trocada por meu reino
inteiro
Onde o tempo fez de bobas as minhas
esperanças
As minhas febres já eram de liras
coloridas
Diante do meu leitor e atrás da
minha leitora
Enterrei minhas estrofes em ilhas
perdidas
Sonhei inventar uma brincadeira
libertadora
Ontológico por pura púrpura falta do
que nascer
Nada me devolveria ao conforto
daquele zero uterino
Erros e diabruras me faziam santo ao
adormecer
Tímido duelei com moinhos gigantes
desde pequenino
Ocorre que inconsequente eu brinquei
de crescer
Só para o poeta destarte voltar a
ser o arteiro menino
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