Para estar inquieto ao termo da
iniciação
a que teus escravos olhos me submetem.
Para que com o curto fio da liberdade
tu possas fazer corrediços
laços de vontade.
Para que as regras que falo
deixem de ser o fluxo
do meu idioma.
Para encontrar até a última interdição
e perdê-la na tradução.
Para que os que sabem dividir
não abram mão do resto.
Para separar de uma vez as famílias tão perfeitas
que prescindem de alguém
infamiliar tal qual tu.
Para compartilhar os dois silêncios
entre tu e tu
com o outro alguém além de mim.
Para que os mistérios contenham livros
que se atenham àquilo que os contém.
Para aliviar os egoístas
de suas próprias mortes.
Para que nossa idolatria do erro
remende com ouro
as cerâmicas rachadas da fidelidade.
Para que tombem
as almas das quais qualquer benzedeira
extrai um encosto.
Para forjar talismãs
mais inúteis do que os que nos salvam.
Para que os espelhos sejam torturados
até pararem de nos hipnotizar com a
verdade.
Para abraçar a penúltima solidão
quando ela nos reivindica
só para si.
Para iluminar com gritos de orgasmo
os quartos dos idosos
que a escuridão faz dormir.
Para que todas as línguas cultas
convertam em práxis seus clitóris.
Para desengavetar as mil lágrimas
cujo pó habilita para a publicação.
Para que as crueldades
que desatamos a dizer
sempre ecoem em nós.
Para que outra juventude ainda queime
as horas grossas de alho e sal
que me alimentam.
Para fazer chegar estas palavras
aonde não chegam as formigas.
Para que os que desmaiam com susto
sejam beijados pelo que os assombra.
Para matar quem morre
de medo de temer
sua coragem.
Para emendar a minha constituição tão frágil
diante da reserva do possível
e garantir mais do que um mínimo existencial.
Para que o que mais se deseja em juízo
seja preciso.
Para nunca nos esquecermos de quanto
viemos
ou para quando vamos.
Para que a criança do futuro
suspeite que os brinquedos de presente
não tem passado de arma.
Para que nos dê o álcool
cada vez mais barato
cobiçado de cara.
Para desengarrafar o que só se liquida
com uma dose de sede.
Para que os muros sirvam de páginas
cuja razão sempre está do outro lado.
Para deixar crescer os cabelos
como se a sobejar os sistemas
que emaranharão as cabeças.
Para esmolar uma boa maldade qualquer
a quem quero tanto ou encarecidamente
amo.
Para que a nossa valorosa paixão
custe o apreço pela própria alma.
Para conferir o sangue dos sonhos
que a consciência prefere.
Para que lágrimas como punhos
por efeito físico ou causa moral
deem pancadas de chuva no céu dos astrólatras.
Para que o sexo como nós conhecemos
nunca deixe de gerar as estranhas forças
que continuamente desperdiça.
Para acelerar com novos nadas
o suplício lento do mesmo tédio.
Para que mesmo sem causa
tudo surta efeito.
Para asseverar que em tais frenesis
de princípios nomeio sempre
antes esse fim que ri.
Para que as derradeiras respostas
de nosso escasso estoque
reponham lá as questões.
Para que todavia se indague
para quê.