TRANSATRAVESSADOS

28 de fevereiro de 2013

As linhas


Se você acha que eu nasci ontem, está certo, hoje disse, 
e, pelas minhas mãos, não morrerei amanhã, de velhice.
Lê-se apenas um conselho estilístico para quem escreve: 
                                                                          seja breve.




21 de fevereiro de 2013

dormir, sonhar, despertar



dormir
não sem qualquer resistência
a tão sutil fração de suicídio
e, por
desejar profundo,
atingir
a superfície de si

sonhar
como quem já é 
para estar sem fundamento
e, em não caber,
deixar-se andar livremente
para mais saber
quanto mais se é sonhado

despertar
sem decapitar o sonho
condenado ao dia
por ter drogado a noite
e, ao longo dessa
debilíssima vigília,
continuar despertando


 

14 de fevereiro de 2013

Dentro embora

A sorte, discussão dos historiadores 
(logo ao fundo), dá lugar 
de palavra a este poema. 
Deus, em sonho (rudeza do animal), 
falava pelos cotovelos, de si para si, 
e só este último nada compreendeu. Tão tépido tempo travou. 

Nesse seu instante de vertigem, apanhou a sílabas 
e se achegou a elas, benevolente, 
mas a tremenda resposta (cólera) 
do algum valor filosófico é o que acrescenta com certa pressa: 
foi como se o tivessem rompido, o corpo que se partiu de frio, 
em um mágico alfabeto de fato – castigo eterno para os maus – 
em que ele podia ser habilidoso 
e o que sentiu naquela faquinha 
e o que selvagem tem me usado (oculto seu nome) 
para o que confrontou o interno 
com o dogma, e se ouvirá a voz 
querida deles na fumaça agitada, 
não havia senão o pouco assim, ou nos decifrando. 

O que já se iluminou submetido a mil operações mágicas, 
o que dá para anos de indecisão, procura (não decência). 
Refiro-me aqui à estrita noção – paradoxal: 
a crítica em geral foi seu cinzel. 
Ele considerara cada alternativa, desde as letras 
destinadas a nos castigar diante das suas aspas (seus chifres), 
até certos períodos justificados,
passando pela corrente de saliva a se urdir no que bebo 
para engolir com fé o placebo. 


  

8 de fevereiro de 2013

estrelinha



esquecer deus*, essa Coisa
tão sem notícias
desde a nenhuma aparição
(e fazer Fogo, esse dogma
sem outra obrigação
a não ser transformar tudo
que não é à prova dele).
fundar religiões da rua
segundo terceiros,
e atravessar ainda outras tábuas da culpa
com rabiscos de sesta
com pouco ou mesmo nada de inocência
com cautela para não, e para não apenas.
estar como a lua que já se insinua de dia
(matar a fome, matar a fome
– a nossa filha sempre jovem
e que sempre volta –
diante da porta da velha era,
diante da era da porta velha);
e odiar voar de avião ou de imaginação,
mas amar ser pássaro que põe pássaros.
ser malcriado, e sobretudo,
jamais repetir isto que sou, por vaidade.


* de fato, 
só sei ser 
dessa excelência de ignorância, creio eu; o que cria,
substancialmente cambiante para os vossos gostos,
um vaivém de hábito e vicissitudes, conforme sou informado.



 

1 de fevereiro de 2013

Três Gatos

Gato e Rato 

Rato na terra ao gato 
Que tem boa vontade 
Que usa bem o olfato 
Rumo a sua saciedade 

Visa além do que vê 
Ao cobiçoso enxergar 
Ao fugitivo que prevê 
Vir a ser felino paladar 

Que morreria de leptospirose 
Aquele gato faminto não sabia 
Aquele rato só sabe da psicose 
Que sente morrendo de gatofobia 

Gato e Peixe 

O peixinho na água do aquário 
Sem saber que era visto de fato 
Todo o perigo seria imaginário 
Não o visse ambicioso o gato 

O felino que desdenha do banho 
Mas arrisca-se por uma boa presa 
Um meio vale se o fim é o ganho 
Só lava a garra que usará à mesa 

No chão a seus pés o peixe engatinha 
Agonizando sem ar por ter sido fisgado 
Um dos dois vai virar só uma espinha 
Um dos dois vai se revirar engasgado 

Gato e Pássaro 

Um passarinho no ar planava 
Sonhava baixo em seu rasante 
O pensamento do gato se alçava 
A como ficar da comida diante 

Subiu o felino ao galho mais alto 
Em silêncio escondido na árvore 
Pondo-se alerta para o maior salto 
Ao apanhar a ave que bem a devore 

No pulo o gato recheia o que estava vazio 
Sem discussão está no papo o filé 
Engaiolada no gato ela dá seu último pio 
Sem asas nem sempre se cai de pé